“As mulheres arraianas, seja do lado galego como do lado portugués, são mulheres fortes e determinadas”

Carme Penim | Cantora e compositora, fundadora do dueto "2naFronteira"

Do Couto Misto, Carme Penim tem uma forte ligação com Portugal, admira os poemas de Fernando Pessoa, o fado e a música brasileira. Neste ano a artista foi homenageada no dia da Mulher, contudo, considera que as mulheres poderiam ter mais representatividade. É cantora e compositora, cofundadora do dueto 2naFronteira, editou quatro cd`s, onde musicou poesia contemporânea, clássica galega, castelhana, portuguesa e poemas de sua autoria..

Publicou em 2017 o livro CD “Herdeiras”, que abordava sobre a mulher e a memória. Em 2020 foi a vez de o “Cantos de Terra e Sal”, com versões tradicionais e arranjos realizados por ela própria. Não parando por aí, publicou um livro de poemas “Cambio versos por champam” , além de numerosos artigos, livros científicos e didáticos. Carmen Penim também é filóloga, doutora em Educação e catedrática de instituto (em língua castelhana). O programa educativo EduReferentes da Associação de Executivas da Galiza, em colaboração com Junta , onde a artista também faz parte.

Carmen Penim tem a natureza como a sua principal aliada, fonte de momentos únicos e inspiradores, onde acontece toda uma criação e a narrativa de muitos de seus trabalhos, e este não ficou à parte. “A Fraga de Passacorrendo”, voltado para um público infantil, já na segunda edição, segue com orgulho e a certeza que esta realização, veio de encontro com o pretendido. No Dia Internacional da Mulher, Carmen Penim foi a homenageada pelo Centro Portugués de Vigo e a Associação Impulsora Casa da Lusofonia, em um mesmo evento e com a sala cheia. Aconteceram momentos de entrevista e de boa conversa com o público presente. Com um belíssimo timbre de voz, os convidados puderam desfrutar de algumas de suas canções, e os fortes aplausos não faltaram.

Em 2016, foi nomeada Juíza Honorária do Couto Misto (sua terra natal) onde inclusive fez um discurso de uma vida rural digna e das mulheres arriaianas, fortes, independentes e exemplos de vida. Conte-nos um pouco sobre estas mulheres?

As mulheres arraianas, seja do lado galego como do lado portugués, são mulheres fortes e determinadas, tanto trabalham no campo, como trabalham em casa. Ainda que fosse uma sociedade tradicional com poucas liberdades para estas as mulheres, penso que mesmo assim, elas conseguiram obter o respeito merecido. Pelo menos foi o que vivenciei na casa da minha avó, em Meaus, no Couto Misto. Para mim, elas foram e serão sempre um modelo a seguir. Aprendi com elas, que não devemos nos deixar pisar e nem de calar, pelo fato de sermos mulheres. Também me ensinaram valores como o trabalho árduo e o sacrificio pelo que se quer conquistar.

Desde quando é que cultura lusófona, inclusive a portuguesa, começou a te
inspirar?

Como arraiana, cresci com Portugal às portas e nunca senti como país alheio. Na verdade, o meu distrito, que é da Limia, pertence culturalmente ao Barroso, como também, Tourém ou Montealegre. Temos muitíssimo em comum e recordo, que íamos a pé pelo Caminho Real (que ligava o Couto Misto a Tourém e que ainda existe) fazer às compras e ir as festas.
Sempre houve muita relação, mesmo quando as fronteiras estavam fechadas, tenho isto na memória, desde muito menina. Logo a música brasileira e o fado, formavam algo que toda minha geraçáo ouvia continuamente e sempre que viajava, levava um livro de Fernando Pessoa na mala e por esta razão, musicalizei seus poemas.Em vários dos meus discos, há cancões que faz Portugal presente. Como arraiana, quero que seja assim!

“Como arraiana, cresci com Portugal às portas e nunca senti como país alheio”

O seu mais recente trabalho, o livro infantil “A Fraga de Pasacorrendo”, trouxe de volta o seu amor profundo pela natureza, pela língua comum e pela cultura galega. Esperança de um mundo mais justo e solidário, por meio das pessoas e das nossas conexões com a terra. Como é esta tua visão para um mundo melhor?

Pois, eu não me importaria nada de viver nessa fraga de Passacorrendo, onde todos e todas se ajudam e nunca estão sós. O certo é que muitas coisas vem mudando e melhorando nos últimos tempos, mas também é verdade, que as grandes famílias que viviam antes nas casas e possuiam trabalhos comunitários nas aldeias, já praticamente não existem. Familias em que um apoiava o outro, já em tempos atuais, temos nós que construirmos meios de forma a substituir o que estas gerações passadas nos ofereciam.

É por isso que eu gostaria de uma sociedade mais solidaria, em especial com a infância e os mais idosos. Poderiam criar uma comunidade como antes, que cumprisse de algum modo a função de uma “grande família” da vida tradicional, como já existiu um dia.
E claro, que seria uma sociedade onde é possível ser diferente, como o gato e
o rato na história “O Gato Preguiçoso e o Rato Artista” que se tornam amigos, ainda que sendo tão diferentes. Onde também, que a mulher já não tem desvantagens por zelo.

Ainda na “Fraga de Pasacorrendo”, o que simboliza a fianderinha, a lavandeira e a fauna abordada no trabalho?
São precisamente figuras femininas fortes, que ajudam as outras personagens nos problemas ou desafios que lhes são apresentados. Também a mítica Maruxaina, que
embora ainda seja uma figura de lenda (é a sereia galega), também resolve e ajuda o
golfinho a voltar para sua casa. Ainda há muito por quebrar estereótipos ligados a sexos e géneros. Precisamente nos dias atuais, uma música minha “Rompe, rompe, rompe” foi adaptado para o português em Moçambique pela Associação Enraíza, que foca para um mundo sustentável e pela igualdade da mulher em vários países do mundo. Resta ainda muito por fazer.

Como é ser mulher na sua arte hoje? Considera que a mulher tem tido mais representatividade na música e na poesia?
As mulheres não têm a representação e a visibilidade que deveriam de ter. Mesmo que se possa parecer o contrário, a vantagem é que estamos muito presentes nas redes sociais, sendo este um grande avanço. Basta ver que somos muitas; as criadoras, compositoras, cantoras … porém propõem-se poucas mulheres para os festivais, levamos menos prémiações, somos uma minioria como juri e também nos congressos, não só de música, mas de qualquer outro tema. Há sempre pouca representatividade feminina e posso dizer, que até mesmo, quase nenhuma.

Como é ser Carmen Penim?
Eu canto e amo o que faço, sínto-me muito afortunada por ter o carinho do público, que é o que me dá força para seguir em frente, apesar dos tempos dificeis que vivemos agora na cultura. Com isto, tenho que agradecer por poder contar com o apoio da Junta para as minhas publicações, aínda que culturalmente deveriam de receber mais ajudas em regra geral, para poderem profissionalizar o setor, que é um motor económico, bem como os demais.

Entrevista de Nilce Costa.