“Uma vez mais, as populações da raia minhota estão a ser tratadas como ‘parente pobre’ pelos Governos de Portugal e Espanha”

Fernando Nogueira | Director da AECT Rio Minho e Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira

Vila Nova de Cerveira conforma con Tomiño a Eurocidade Cerveira-Tomiño, con cada vez maior presenza na relación transfronteiriza. O seu presidente, Fernando Nogueira, actualmente director da AECT Río Miño, respondeu a nosa enquisa sobre o recente peche fronteirizo entre Galicia e Portugal por mor da COVID 19.

Como é que o recente encerramento da fronteira afeta as relações económicas e a mobilidade laboral?
A reposição do controlo terrestre de fronteiras e encerramento de travessias está a provocar quilómetros de filas de trânsito na fronteira Valença-Tui – único ponto de passagem fronteiriço autorizado permanentemente, gerando uma situação vergonhosa. O que se está a provocar é uma sobrecarga nos trabalhadores e trabalhadoras transfronteiriças ao nível de mais custos, de maior desgaste físico e psicológico, com impacto no dia a dia pessoal e profissional, não tendo o mesmo rendimento produtivo à chegada aos locais de trabalho devido às filas intermináveis.

Numa situação de crise socioeconómica não é justo transferir mais custos para os trabalhadores e para as trabalhadoras transfronteiriças (combustível e tempo), que deveriam ser suportados pelos Governos de Portugal e de Espanha, com a colocação dos meios necessários para o controlo de mobilidade nos diversos pontos de passagem fronteiriça ao longo da fronteira do Alto Minho, e que no total são 8.

As relações sociais transfronteiriças estão a ser beliscadas por quem não conhece esta dinâmica, e a economia transfronteiriça está num ponto quase que irreversível, por isso é que o AECT Rio Minho volta a reivindicar aos Governos de Portugal e Espanha, e ainda ao Governo Autónomo da Galiza, a criação de um cartão da/o cidadã/o transfronteiriça/o que se poderá tornar indispensável para vivência social e para a economia destas regiões de fronteira, bem como a implementação de uma ITI – Intervenção Territorial Integrada de caráter transfronteiriço, com vista a concertar os fundos europeus do próximo quadro comunitário, de modo a que as regiões fronteiriças sejam compensadas por este segundo e duro golpe socioeconómico.

Além de tudo isto, Bruxelas já veio a público, muito recentemente, exortar os países da UE a evitarem encerramento de fronteiras, lembrando ser “de uma importância fundamental que todas as medidas estejam de acordo com os princípios da não discriminação e da proporcionalidade”.

Como é que este encerramento afeta a possibilidade de cooperação sanitária, tendo em conta que muitos cidadãos vivem e trabalham passando a fronteira?
A Pandemia Covid-19 veio reforçar a necessidade de os Governos de Portugal e de Espanha terem em atenção um planeamento e controlo devidamente articulado, sem descurar as regiões de fronteira e a sua realidade muito específica. Há que auscultar e envolver as entidades que representam estas populações que, apesar de países diferentes, vivem em comum e sentem-se cidadãos de uma Europa sem fronteiras.

Considera que estas medidas são paliativos para os efeitos de contágios da COVID-19?
É completamente incompreensível não ter as realidades de fronteira em conta, ao nível social e laboral. Com esta medida de encerramento de fronteiras, os Governos de Portugal e Espanha enveredaram por uma medida que potencia ‘o efeito funil’ num único ponto de apoio (Valença-Tui a 24h) e, consequentemente, ajuntamentos que podem propiciar um maior foco de contágio, como assim se comprova todos os dias pela manhã, com especial enfoque às segundas-feiras: quilómetros de filas de trânsito para atravessar a fronteira, desperdícios de tempo desnecessários e, mais uma vez, a introdução de um inexplicável obstáculo a uma população de fronteira.

Considera que tanto os governos espanhol como o português não levam muito a sério a existência das novas instituições constituídas ao longo do rio Miño nas que Vocé está representado?
Mais importante do que as instituições e as pessoas que as representam são as necessidades e interesses das populações, com vista ao seu bem-estar e melhoria das condições de vida.

Uma vez mais, as populações da raia minhota estão a ser tratadas como ‘parente pobre’ pelos Governos de Portugal e Espanha apesar de estes terem vindo a defender a cooperação transfronteiriça como uma política fundamental para o desenvolvimento dos territórios fronteiriços e apesar de terem aprovado na Cimeira Ibérica que se realizou na Guarda, em outubro de 2020, a “Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço Portugal-Espanha.

À semelhança do que aconteceu no encerramento das fronteiras do passado mês de março, esta medida revela uma total falta de conhecimento da realidade deste território fronteiriço, e o papel do AECT Rio Minho e de outras entidades é dar voz a estes problemas, as vezes necessárias, para que façam eco junto das entidades governamentais.

Analista de xeopolítica e relacións internacionais. Licenciado en Estudos Internacionais (Universidade Central de Venezuela, UCV), magister en Ciencia Política (Universidade Simón Bolívar, USB) e colaborador en think tanks e medios dixitais en España, EE UU e América Latina.